Cidades hostis, higienistas ou anti moradores de rua, chame como quiser. Fato é que as metrópoles e grandes centros urbanos têm perdido cada vez mais o pudor e o senso de humanidade.
E não é apenas o Brasil que padece deste mal: cidades norte-americanas e europeias reproduzem o mesmo comportamento segregacionista. Do que estou falando? Apesar de toda a informação e senso histórico que acumulamos, ainda vivemos um apartheid social gigantesco: os que têm um teto sob o qual viver e os que não têm. E basta não ser cego – ou fazer de tal – para perceber a cor da pele predominante nestes sem-teto. Reflexos do regime escravocrata brasileiro (não nos esqueçamos que fomos a última nação do ocidente a abolir este modelo diabólico de exploração).
Em vez de soluções que resolvam o problema pela raiz, muitos políticos e agentes da administração pública escolhem o caminho mais fácil: varrer o problema para baixo do tapete, quase que literalmente. Assim, adotam posturas que tiram os moradores de rua da vista da “população de bem”, caracterizando a chamada “hostilidade urbana”. Essas posturas incluem criar (ou reformar) mobiliário urbano (bancos, floreiras, pontos de ônibus, etc.) de maneira que dificulte a acomodação desta população marginalizada em posição horizontal – exatamente aquela que precisamos para dormir. Incluem, ainda, criar barreiras para respiros do metrô (que conseguem aquecer os sem-teto em dias frios) e, como foi amplamente divulgado pela mídia em episódio recente, tornar locais sob pontes e viadutos impróprios para o estabelecimento de acampamentos improvisados. Esta população vulnerável busca abrigo sob estas estruturas justamente pelo fato de oferecem um mínimo de proteção contra a ação do sol e da chuva.
Neste episódio que mencionei, um vídeo tornou-se viral nas mídias: o formidável Padre Júlio Lancellotti, em atitude mais cristã do que a maioria devastadora dos cristãos seria capaz, removeu a marretadas as pedras instaladas pela Prefeitura de São Paulo sob viadutos na Região da Mooca. Padre Júlio é conhecido pelas ações pró igualdade e dignidade humanas. Em vez de apenas orações, demonstra através de ações sua cristandade. Isso sim é um verdadeiro milagre.
A gigantesca população que vive em situação de rua é reflexo do abismo gerado pela desigualdade social. Nosso país amarga um dos piores índices de neste quesito no ranking da Organização das Nações Unidas: uma vergonhosa 7ª posição, perdendo apenas para países africanos! Apenas no município de São Paulo estima-se que existam entre 25.000 e 50.000 sem teto. Na metrópole mais rica do continente, isso é inadmissível. Em vez de tapar o sol com a peneira, o tempo, o dinheiro e a energia gastos para hostilizar os abrigos improvisados deveriam ser convertidos em boa vontade, através da intensificação de políticas públicas de acolhimento nos equipamentos da rede socioassistencial, de combate à dependência química e de oferta de empregos.
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